Entenda como o Strategic Lateral Offset Procedure (SLOP) reforça a segurança de voos transoceânicos ao distribuir aeronaves lateralmente em áreas sem vigilância radar
Por trás das linhas limpas que os aplicativos de rastreamento mostram sobre o oceano Atlântico existe um complexo sistema de segurança aérea. A maioria dessas aeronaves — sobretudo nas travessias oceânicas — voa ligeiramente à direita da rota publicada, adotando deslocamentos laterais de até 2 milhas náuticas (≈ 3,7 km) em relação à rota definida.
Esse ajuste segue o procedimento chamado Strategic Lateral Offset Procedure (SLOP) — um padrão operacional que diminui o risco de conflito entre aeronaves, especialmente em trechos onde a cobertura radar é insuficiente.
Formalizado pela Organização Internacional da Aviação Civil (ICAO) no começo dos anos 2000 e implementado gradualmente em diversas regiões, o SLOP é um exemplo discreto — porém fundamental — de como a segurança da aviação é construída por múltiplas camadas de prevenção e redundância.
Como funciona o deslocamento lateral
Em áreas sob vigilância radar, o controle de tráfego aéreo assegura a separação entre os voos. Já sobre os oceanos, onde a cobertura radar é limitada ou inexistente, os pilotos operam sem vigilância constante de rota. Nesses trechos oceânicos, a separação é garantida pela navegação a bordo (como GNSS/GPS) e pela comunicação por HF ou satélite.
Ao ingressar em um espaço aéreo oceânico que permita o SLOP, os pilotos podem deslocar a trajetória 1 ou 2 milhas náuticas (nm) para a direita da rota publicada. Esse deslocamento — configurado pela tripulação como uma “trajetória paralela” — é mantido durante a parte oceânica do voo sem necessidade de autorização adicional do controle.
Assim, o voo passa a ocupar uma das três “faixas laterais” autorizadas: centro da rota (0 nm de offset), 1 nm à direita ou 2 nm à direita. A ideia é criar um corredor lateral extra de até 2 nm além da rota central, reduzindo a probabilidade de duas aeronaves ficarem exatamente sobrepostas em caso de erro de nível ou de navegação.
Sistema de rotas do Atlântico Norte
No North Atlantic Organized Track System (NAT-OTS) — que liga a América do Norte à Europa — o SLOP tem papel decisivo. As rotas são coordenadas pelos centros oceânicos de Shanwick Oceanic Control Centre (Reino Unido) e Gander Oceanic Control Centre (Canadá), que definem diariamente faixas de tráfego e níveis de voo entre FL290 e FL410.
Como a vigilância radar é limitada e erros de nível ou de rota ainda ocorrem, o SLOP oferece uma camada adicional de mitigação. Em 2004, por exemplo, foi oficialmente adotado no NAT como medida complementar de segurança às separações de rota.
Além disso, com a introdução do Reduced Lateral Separation Minimum (RLAT) — que diminuiu a separação lateral mínima entre rotas paralelas para cerca de 25 NM em algumas áreas — a utilidade do deslocamento lateral tornou-se ainda mais evidente.
O SLOP traz dois benefícios principais:
- Redução do risco de colisão — Mesmo com a navegação moderna altamente precisa, há risco de duas aeronaves estarem exatamente na mesma rota e em níveis incorretos (por erro humano ou falha). Ao deslocar-se 1 ou 2 NM à direita de modo aleatório, a aeronave evita ficar alinhada lateralmente com tráfego não conforme.
- Menor exposição à turbulência de esteira (wake turbulence) — Quando aeronaves de grande porte cruzam a mesma rota ou áreas próximas, as correntes de esteira podem ser perigosas. Um deslocamento lateral reduz a chance de sobreposição dessas correntes.
Para as operações, isso representa maior conforto e menor risco tanto para a aeronave que aplica o offset quanto para aquelas que a seguem ou a ultrapassam.
Implementação e requisitos técnicos
Pontos relevantes sobre a implantação:
- O deslocamento lateral SLOP deve ser executado apenas para a direita. Offsets à esquerda não são permitidos pelos procedimentos padrão do SLOP.
- O valor máximo padrão de offset em rotas oceânicas autorizadas é de 2 NM à direita, salvo limitações regionais.
- A aeronave precisa dispor de capacidade de seguimento automático do offset (“automatic offset tracking capability”). Sem essa funcionalidade, a aeronave deve manter a rota central.
- O piloto é responsável por selecionar e inserir o offset, mas não necessita pedir autorização ao controle para aplicar o SLOP, desde que o espaço aéreo permita o procedimento.
Também é importante notar que o SLOP é implementado por região, e seu uso pode variar conforme as AIPs (publicações aeronáuticas) de cada Estado. Administração Federal de Aviação
Segurança construída sobre redundância
O SLOP ilustra bem a filosofia da aviação moderna: não depender da ausência de erro, mas projetar sistemas que ampliem a margem de segurança antes que uma falha gere um incidente. Embora pareça apenas um leve “desvio” de rota, o procedimento foi desenvolvido após décadas de análise de risco, coordenação internacional e avanços na navegação de alta precisão.
Graças a práticas como essa, centenas de aeronaves sobrevoam os oceanos diariamente com precisão quase milimétrica — e com níveis de segurança cada vez mais robustos.
*Colaboraram: Grace McPherson e Edmundo Ubiratan






