Decisão do Supremo suspende ações de passageiros em todo o país até que seja definida a aplicação do CBA ou do Código de Defesa do Consumidor
O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou, no dia 26, a suspensão nacional de todos os processos que discutem indenizações por danos morais e materiais decorrentes de cancelamentos, alterações ou atrasos de voos causados por mau tempo. A decisão foi proferida pelo ministro Dias Toffoli.
A medida vem após o Plenário da Corte reconhecer, em 22 de agosto, a existência de repercussão geral sobre a controvérsia relativa ao regime jurídico aplicável ao transporte aéreo: o Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA) ou o Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Controvérsia constitucional
O debate jurídico versa sobre a prevalência, “à luz do art. 178 da Constituição”, das normas específicas do transporte aéreo ou das regras de proteção ao consumidor. O STF ressalta que a questão envolve princípios como a livre iniciativa, a segurança jurídica, os direitos dos passageiros e a responsabilidade civil no setor.
Na ementa publicada no Diário da Justiça Eletrônico, o Supremo definiu que a questão central envolve “saber se […] a responsabilidade do transportador aéreo […] deve ser regida pelo Código Brasileiro de Aeronáutica ou pelo Código de Defesa do Consumidor”.
Origem do recurso
O caso começou no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em que a Azul Linhas Aéreas Brasileiras foi condenada por danos materiais e morais em razão de alteração e atraso de voo. A companhia recorreu ao STF buscando uniformização de entendimento.
A empresa solicitou também a suspensão nacional de processos semelhantes, alegando divergência entre tribunais e impactos econômicos para o setor. A Confederação Nacional do Transporte (CNT), atuando como amicus curiae, apoiou o pleito.
De acordo com o documento, as entidades afirmaram que a ausência de uniformidade decisória “compromete a isonomia e sobrecarrega o Sistema de Justiça com demandas repetitivas”.
Aumento da litigância
O ministro Dias Toffoli ressaltou que existem decisões conflitantes no país sobre qual legislação aplicar aos casos de atraso ou cancelamento de voos por caso fortuito ou força maior. Essa divergência alcança temas como:
- Excludentes de responsabilidade;
- Critérios para indenização por danos extrapatrimoniais;
- Necessidade de comprovação de prejuízo por parte do passageiro.
O relator mencionou estudos que tratam do crescimento da litigância na aviação civil. As autoras Júlia Vieira de Castro Lins e Renata Martins Belmonte, em artigo no JOTA, indicam que o Brasil apresenta um índice de judicialização “5.000 vezes maior que o dos Estados Unidos”. A Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear) diz que há uma ação judicial para cada 227 passageiros no país.
Potenciais efeitos sobre o setor aéreo
Entidades do setor aéreo sustentam que o elevado volume de ações eleva custos operacionais, prejudica a previsibilidade das operações e pode desestimular a entrada de novos operadores no mercado brasileiro. Em manifestação, a CNT afirmou que o quadro atual “compromete a segurança jurídica e a competitividade do setor aéreo”.
O STF também registrou que, mesmo após acordo de cooperação entre o CNJ, a ANAC e a Secretaria de Aviação Civil, o número de ações judiciais não apresentou redução consistente.
Processos contra companhias aéreas
Em 2024, o Brasil manteve um nível de judicialização sem paralelo internacional, concentrando cerca de 90% de todos os processos contra companhias aéreas e registrando um índice 5.000 vezes superior ao dos Estados Unidos.
Segundo levantamento da Abear, enquanto nos EUA há uma ação por cada 1,25 milhão de passageiros, no Brasil ocorre uma por cada 227, impulsionada sobretudo pela gratuidade dos Juizados Especiais e pela proteção do Código de Defesa do Consumidor.
Apesar de 85% dos voos terem sido pontuais e apenas 3% terem sido cancelados no ano anterior, a projeção para 2024 é de 250 mil novos processos — cenário que levou o STF a buscar soluções para reduzir o contencioso.






