A aviação de negócios segue em forte expansão, mas enfrenta limitações de infraestrutura e desafios regulatórios ambientais
Desde 2020, a aviação de negócios vem mantendo um ritmo de crescimento expressivo, superando consistentemente os níveis pré-pandemia. A tendência aponta para continuidade dessa expansão nos próximos anos, com previsão de cerca de 8.500 novas entregas de aeronaves até 2033 — movimentando aproximadamente US$ 280 bilhões.
No Global Business Aviation Outlook 2025, a Honeywell projeta a entrega de 8.500 jatos executivos entre 2025 e 2034, avaliados em cerca de US$ 283 bilhões, com crescimento médio anual de 3% nas entregas e na receita do setor. O estudo sinaliza que a aviação de negócios entrou em um ciclo estrutural de expansão, sustentado por carteiras robustas de pedidos, renovação de frotas e aumento da demanda corporativa.
Dados recentes da GAMA (General Aviation Manufacturers Association), divulgados em setembro no Relatório de Entregas e Faturamento de Aeronaves de Aviação Geral – Segundo Trimestre de 2025, corroboram essa trajetória. No acumulado do ano, as entregas globais de aeronaves de aviação geral somaram 1.926 unidades, com faturamento total de US$ 14,28 bilhões, o que representa alta de 16,6% em valor e 34,6% em volume em comparação ao mesmo período de 2024.
Esses números mostram que a indústria superou amplamente o patamar pré-pandemia e opera agora sobre uma nova base estrutural. A mudança é evidenciada pela maior demanda por aeronaves de cabine larga, pela chegada de novos operadores e pela crescente adoção de modelos de acesso compartilhado. Entre 2019 e 2025, o total de entregas deve registrar crescimento acumulado de 16%, enquanto os investimentos em aquisição de novos jatos tendem a subir 32% no mesmo intervalo.
O relatório mais recente da GAMA aponta que, até o segundo trimestre de 2025, foram entregues 810 aviões a pistão, 268 turboélices e 354 jatos executivos. As entregas combinadas de aeronaves de asa fixa e helicópteros somaram 1.926 unidades, movimentando US$ 14,28 bilhões, um aumento de 16,6% em relação a 2024. O indicador reforça a recuperação sólida e consolida o desempenho recorde do setor no pós-pandemia. Já a previsão da Honeywell para 2025 indica que as entregas de jatos podem passar de 830 unidades.
A atividade global de voos com jatos de negócios cresceu 3,2% em abril na comparação anual, segundo a TraqPak, da Argus International. O resultado foi impulsionado principalmente por um avanço de 17% em mercados fora da América do Norte e da Europa. Nessas duas regiões, os comportamentos divergem: a América do Norte teve aumento moderado de 2,4%, enquanto a Europa registrou queda de 6,5% — em parte atribuída à implantação de novas normas ambientais.
Operação fracionada
No cenário global, operadores fracionários foram os que mais cresceram em abril, com alta de 9,4% no total de voos. A consolidação do segmento acompanha a ampliação do uso contínuo das aeronaves de negócios. O estudo da Honeywell mostra que a frota global de jatos fracionados aumentou 65% desde 2019, tornando-se um dos principais vetores de crescimento da aviação executiva.
De acordo com a pesquisa, 46% dos operadores planejam ampliar suas frotas e 67% pretendem substituir aeronaves em operação, refletindo simultaneamente renovação tecnológica e expansão de capacidade. O avanço do setor também é apoiado pelo aumento das horas voadas e pela busca por modelos operacionais mais flexíveis.
A consolidação da aviação de negócios ocorre junto ao uso contínuo crescente das aeronaves e ao avanço da demanda global. No congresso Corporate Jet Investor (CJI), em Londres, líderes do setor qualificaram o momento como uma “Era de Ouro” para o segmento. Stephen Friedrich, diretor comercial da Embraer Executive Jets, afirmou que 2025 deve apresentar uma das maiores demandas da história recente, citando contratos significativos assinados nas primeiras semanas do ano.
Além do habitual protagonismo dos Estados Unidos, Friedrich citou crescimento na América Latina, Índia e Arábia Saudita como sinais de expansão para novos mercados. No Brasil, o desempenho segue consistente desde o pós-pandemia, apesar de desafios econômicos domésticos.
“Há pelo menos quatro anos o setor da aviação de negócios está aquecido globalmente e no Brasil, e nós acompanhamos essa tendência. Para se ter uma ideia, temos pedidos de aviões e helicópteros com entrega prevista para daqui a dois anos”, afirmou Leonardo Fiuza, presidente da TAM Aviação Executiva.
Conectividade regional
A América Latina se destaca como uma das regiões com maior potencial de crescimento nos próximos anos. A projeção atual indica que o bloco responderá por 10% das entregas globais de jatos executivos até 2029 — o dobro do estimado no relatório anterior da Honeywell.
O motor dessa expansão é, em grande parte, o aumento da atividade aérea no Brasil, que tem incentivado planos de aquisição de novos equipamentos no curto e médio prazos. Esse movimento reflete a demanda por melhor conectividade regional e a busca por alternativas diante de restrições operacionais em aeroportos comerciais.
Para responder a esse cenário, operadoras de táxi-aéreo têm apostado na venda avulsa de assentos como mecanismo para ampliar a mobilidade em rotas de baixa demanda. A Resolução nº 700 da ANAC, de 24 de janeiro de 2023, regulamentou permanentemente esse modelo, ampliando a oferta de transporte aéreo regional e incentivando a aviação em mercados secundários.

A Azul Conecta foi pioneira ao conectar pequenas cidades do interior à malha nacional e internacional da Azul Linhas Aéreas. A companhia também passou a operar rotas alternativas, como o trecho entre o aeroporto de Jacarepaguá (Rio de Janeiro) e Congonhas (São Paulo). No começo de maio, a Amaro Aviation firmou acordo com o governo do Mato Grosso do Sul para implantar operação regional com Cessna Grand Caravan, ligando Campo Grande a destinos como Dourados, Três Lagoas, Bonito, Corumbá, Porto Murtinho e Inocência.
“Acredito que esse projeto é bastante promissor e pode realmente conectar cidades, contribuindo para transformar o país”, declarou Marcos Amaro, fundador da Amaro Aviation.
Perspectiva global
A Honeywell estima que a América do Norte responderá por 71% das entregas globais de jatos executivos em 2025, seguida pela Europa (14%), América Latina (7%), Ásia-Pacífico (5%) e Oriente Médio e África (3%). Embora o número de entregas se distribua entre jatos leves, médios e grandes, os modelos de longo alcance deverão representar 65% do valor total movimentado, indicando preferência por aeronaves de maior porte e autonomia.
Por sua vez, a Europa enfrenta desaceleração econômica e pressões ambientais crescentes, afetando a expansão do setor. Em abril, o continente registrou retração de 6,5% nas operações, com destaque para uma queda de 17,9% no uso de jatos de cabine larga. A Argus projeta uma nova redução de 3,8% na atividade aérea executiva europeia nos meses seguintes.
A Honeywell também revisou para baixo a participação europeia nas entregas globais, de 14% em 2023 para 13% em 2024. Na Ásia-Pacífico, a estimativa caiu de 11% para 7% no horizonte de cinco anos. Já o Oriente Médio e a África, em conjunto, devem responder por 3% do total, abaixo dos 6% do ano anterior. Em ambos os casos, o recuo é associado a instabilidades econômicas, desafios regulatórios e limitações de infraestrutura em mercados emergentes.

Apesar desse quadro, o Brasil mantém trajetória de crescimento constante. “A aviação de negócios no Brasil, felizmente, tem conseguido manter o ritmo de crescimento. O mundo passa por um ajuste, mas ainda não sentimos esses efeitos em nosso negócio, especialmente nas operações de fretamento e na compra e venda de aeronaves”, afirmou Amaro.
O desempenho operacional passou a ser o critério decisivo na escolha de aeronaves na aviação de negócios. Segundo a Honeywell, 82% dos operadores globais destacam alcance, capacidade de passageiros, carga útil e desempenho em pista como fatores determinantes. A autonomia lidera as preferências, com 10,8 pontos em um índice ponderado de 100, seguida pelo custo operacional.
Esse perfil favorece jatos de cabine larga e de longo alcance. A projeção atual indica que 37% das entregas esperadas na próxima década serão dessa categoria, concentrando 67% do valor movimentado no período. A preferência por modelos mais complexos está ligada às expectativas por conforto, conectividade e maior flexibilidade operacional.
O levantamento também aponta dois vetores simultâneos: renovação das frotas existentes e expansão por meio de aquisições adicionais. Entre 2025 e 2029, cerca de 18% da frota ativa deve ser substituída por modelos mais modernos e eficientes. A adição líquida esperada é de 3%, representando a maior taxa de expansão em dez anos.
A entrada de novos operadores acelerou no pós-pandemia, especialmente via modelos de propriedade compartilhada, leasing e programas de cartão de horas.
“O cartão de horas é ideal para quem voa até 50 horas por ano. Nesse formato, o cliente compra um pacote pré-pago de horas de voo, com acesso rápido a aeronaves sob demanda, sem a burocracia da propriedade. É uma opção prática para quem busca flexibilidade e conveniência, pagando apenas pelo tempo efetivamente voado”, explica João Mellão, CEO da Amaro Aviation.
A Honeywell estima que até 500 aeronaves entregues na próxima década atenderão a clientes que adquiram seu primeiro jato executivo — um fator adicional de crescimento, com impacto estimado de 6% nas horas voadas.
Mudança geracional

A transformação no perfil dos operadores também reflete uma mudança geracional em andamento. No CJI London, especialistas indicaram que pessoas entre 30 e 45 anos têm mais influência nas decisões de compra, com maior atenção a critérios socioambientais. Estimativas apresentadas no evento sugerem que mais de US$ 31 trilhões devem ser transferidos entre gerações de alta renda na próxima década, o que pode redefinir o mercado de aviação de negócios.
A sustentabilidade consolidou-se como pauta estratégica, pressionada por compromissos corporativos, exigências regulatórias e maior visibilidade pública sobre as emissões do setor. Contudo, apesar do alinhamento das metas, a implementação de ações concretas esbarra em limitações técnicas, econômicas e estruturais — sobretudo na Europa.
No congresso da CJI, representantes europeus relataram que exigências regulatórias excessivas, burocracia elevada e falta de suporte institucional prejudicam a competitividade. Mesmo com ganhos em eficiência operacional, esses benefícios são frequentemente neutralizados por custos administrativos crescentes. A saída do Reino Unido da União Europeia também agravou barreiras ao acesso a mercados, afetando empresas britânicas e europeias.
Entre as medidas em debate no bloco europeu está a proibição de voos curtos em rotas servidas por trens de alta velocidade — prática já adotada na França e em implementação na Espanha. Algumas universidades e órgãos públicos na Holanda, por exemplo, já vedam viagens aéreas inferiores a seis ou oito horas de trem, respectivamente. Enquanto um banimento total da aviação de negócios é improvável no curto prazo, especialistas alertam para o uso crescente de mecanismos desestimulantes — como taxas ambientais, limitação de slots e novas obrigações de compensação de carbono.
Conforme a Honeywell, 85% dos operadores veem a renovação da frota como a medida mais eficaz para reduzir o impacto ambiental das operações. Substituir aeronaves antigas por jatos de nova geração, mais eficientes e tecnologicamente avançados, gera ganhos imediatos em consumo de combustível e desempenho. Os modelos mais recentes consomem entre 15% e 20% menos combustível e já operam com misturas de até 50% de SAF (combustível de aviação sustentável) combinadas ao querosene convencional.
Potenciais e Desafios do SAF

Apesar do interesse em SAF, sua adoção enfrenta barreiras significativas. O alto custo do combustível sustentável e a oferta limitada são apontados como os principais obstáculos. O relatório da Honeywell reforça que 81% dos operadores acreditam que desenvolver aeronaves e motores mais eficientes é o modo mais efetivo de reduzir emissões, enquanto 60% avaliam o SAF como ferramenta relevante — embora custo e disponibilidade ainda restrinjam sua expansão.
Em contraste com os avanços em projeto e propulsão, a infraestrutura de suporte ao SAF avança a passos lentos. A cadeia de suprimento ainda não tem capilaridade suficiente para suprir a demanda potencial, principalmente fora dos grandes hubs da América do Norte e Europa. Políticas públicas e incentivos permanecem fragmentados, dificultando padronização e escala global. Em paralelo, fabricantes aumentam investimentos em tecnologias complementares, como propulsão elétrica e células de hidrogênio, visando soluções de médio e longo prazo.
A análise geral evidencia um descompasso entre intenção e capacidade de execução. Embora a maioria dos operadores demonstre disposição para práticas mais sustentáveis, gargalos estruturais, percepção de risco técnico e falta de incentivos coordenados impedem que a sustentabilidade passe rapidamente do discurso à prática operacional em larga escala.
A distância entre o discurso sustentável e a prática operacional ficou evidente no congresso CJI, quando manifestantes ambientais bloquearam os acessos ao evento em protesto contra a aviação de negócios, ressaltando a pressão pública sobre a aviação privada. Ainda assim, alguns operadores afirmaram que nem o custo elevado do SAF nem o aumento de taxas ambientais alteram decisivamente sua intenção de voar.
O setor, contudo, enfrenta crescente percepção negativa. Apesar do avanço gradual do SAF, sua implementação ainda está muito abaixo do necessário para gerar impacto climático relevante. Há uma tensão entre manter o acesso exclusivo à mobilidade aérea e a pressão por uma reformulação sistêmica da indústria — especialmente na Europa, onde regulamentações ambientais mais rígidas e mobilização social influenciam diretamente a formulação de políticas.
Inovação sustenta otimismo, mas riscos persistem
As perspectivas para a aviação de negócios apontam para um ciclo prolongado de crescimento sustentado, impulsionado por inovação tecnológica, renovação do perfil de usuários e fortalecimento de modelos híbridos de operação. Fabricantes esperam ampliar a produção, motivados pela demanda por aeronaves maiores, com maior alcance, eficiência energética e sistemas embarcados avançados. O otimismo é apoiado por sinais como aumento nas horas voadas, ingresso de novos operadores e carteiras de pedidos robustas, com prazos médios de entrega entre 18 e 24 meses.

Entre os principais vetores de inovação estão avanços em aviônicos, conectividade e automação — atributos que reforçam o apelo da aviação de negócios junto ao segmento corporativo. No entanto, o crescimento não é isento de riscos. O relatório da Honeywell ressalta que a estabilidade do setor dependerá da superação de gargalos ainda presentes.
A cadeia de suprimentos, embora em recuperação, segue vulnerável após as interrupções entre 2020 e 2023. A escassez de componentes eletrônicos, sistemas específicos e mão de obra qualificada continua a limitar a escalabilidade da produção no curto prazo, afetando fabricantes e operadores — inclusive em retrofits e atualizações de frota.
O cenário macroeconômico também adiciona incertezas. A inflação persistente em algumas economias, flutuações cambiais e riscos geopolíticos — particularmente na Europa e no Oriente Médio — comprometem a previsibilidade de expansão em certas regiões. Nos Estados Unidos, o crescimento é apoiado por incentivos fiscais e por um ambiente regulatório mais flexível, com destaque para a expectativa de retorno da depreciação acelerada de 100% na aquisição de aeronaves. Mesmo assim, analistas apontam potenciais efeitos adversos, como cortes no orçamento da FAA, tensões comerciais que afetam o setor aeroespacial e volatilidade dos mercados financeiros.
Além dos desafios estruturais, operadores têm manifestado insatisfação com fabricantes. Pesquisa da TAG Aviation registrou reclamações recorrentes sobre atrasos na entrega de peças, suporte pós-venda insuficiente e excesso de foco em vendas em detrimento da experiência operacional dos clientes.
O panorama atual da aviação de negócios é positivo, mas não linear. O setor avança para um novo patamar operacional, sustentado por tecnologia, demanda qualificada e modelos de acesso mais flexíveis. A consolidação desse ciclo, entretanto, dependerá da resolução de gargalos estruturais, da estabilização das cadeias produtivas e da transformação das intenções ambientais em ações práticas.
A indústria demonstra resiliência e capacidade de adaptação, mas ainda convive com desafios sistêmicos que limitam seu pleno potencial de expansão. Entre eles estão a falta de insumos críticos, a volatilidade macroeconômica e a pressão por conformidade ambiental em diferentes mercados. O equilíbrio entre inovação, eficiência operacional e responsabilidade socioambiental será crucial para que o crescimento atual se mantenha e evolua com segurança e sustentabilidade nos próximos anos.
*Publicado originalmente na AERO Magazine 373 · Junho/2025. Atualizado na versão digital.






